Wednesday, September 20, 2006

Depois da campanha lançada pelas televisões, que visava alertar as pessoas para o perigo do “violento” furacão que se aproximava dos Açores, chegou até nós este testemunho impressionante de um sobrevivente:

Acordo na praia sem saber onde estou. Lembro-me apenas de estar a passear nos Açores, e depois um grande vazio. Vejo pessoas que mal sabem falar, elas tentam comunicar comigo mas não as compreendo. Consigo distinguir alguns sons que me lembram a língua portuguesa, mas pode ser confusão da minha cabeça. Devem ter sofrido embates de tal forma violentos, que perderam a memória.

Desloco-me para o que me parece ser uma cidade. Vejo homens de outra raça, altos e loiros, a levarem crianças pela mão, a entrarem com elas em automóveis ou em hotéis. Estranho, mas não posso perder muito tempo a pensar nisso, tenho que entender o que aconteceu.
Tento descobrir as forças da lei para me prestarem algum auxílio. Descubro outra coisa, que ali não há lei, há uma ditadura. Um homem apenas controla o local. Como sempre acontece a seguir às grandes catástrofes, os indivíduos mais fortes ganham protagonismo e poder, sobrepondo-se aos mais fracos. Mas mais fortes não significa necessariamente mais honestos.
Procuro chegar à fala com esse homem, o que se revela bastante fácil. Basta-me procurar a maior casa daquele estranho lugar. Uma casa onde há sempre boa comida e animadas festas.

Por fim, estou ali. A grotesca criatura encontra-se espojada num grande sofá, apenas de tanga, enquanto come pequenos peixes vivos. Num piscar de olhos vem-me à memória o nojento Jabba The Hut, personagem da Guerra das Estrelas. Dezenas de servos cirandam por ali, apajando o melhor que podem o seu amo. Um pouco a medo, esboço um tímido sorriso quando percebo que há uma longa fila de pessoas que aguardam pacatamente a sua vez, apenas para lhe lamberem os pés. Estranho ritual…

Com um aceno repleto de desprezo, ele manda-me aproximar. Consigo sentir o seu bafo a álcool e peixe.
Conto-lhe a minha pequena história, que estava a passar uns dias nos Açores e que depois do furacão não me lembro de mais nada. Peço-lhe que me ajude a sair dali.
Depois de uma horrível gargalhada do seu próprio tamanho, ele diz que consegue pôr-me no próximo avião. Mas vai custar-me caro.
Desesperado, aceito o exorbitante preço que ele me cobra por um simples bilhete, pois compreendo que sem o consentimento daquele homem nada sai ou entra naquele lugar.
Com um rugido, chama dois capangas que me metem num jipe e me levam para o aeroporto. A minha saga está a chegar ao fim.

Durante o curto percurso de jipe, com o olhar perdido na linha do mar, não posso deixar de reparar numa simples placa que anuncia para quem a quer ver: “Funchal”.