Tuesday, September 12, 2006

Ramiro folheava despreocupadamente o jornal, enquanto Albano e Tibério, que eram irmãos, observavam as raparigas que passavam enquanto bebiam, respectivamente, uma água e um café. Albano, mais afoito, lançava comentários jocosos entre dois arrotos. Tudo perante o olhar complacente de Tibério, sempre fora mais reservado, que ria baixinho.

Indiferente a tudo isto, Ramiro prosseguia atento ao jornal. Chegara à parte dos famosos anúncios, onde raparigas que não davam a cara ofereciam os seus préstimos, enquanto tentavam fazer uma sucinta descrição de si mesmas. “Boquinha de veludo”, “bundinha gostosa!”, “oral divinal” e por aí fora. Aquele jornal era, de facto, um verdadeiro manancial de cultura.
Estava já prestes a fechar as páginas do dito pasquim quando, de súbito, algo lhe chamou a atenção. Havia ali novidades. Agora, até travestis anunciavam os seus “serviços” no jornal! Ramiro sentiu-se indignado, viviam numa pequena vila e não podiam permitir isto. Uma coisa era permitir que as moças tivessem publicidade, outra era permitir o mesmo a travestis!

Lembrou-se, com uma lágrima no canto do olho, do dia em que fez 18 anos e o levaram a casa de Madame Rosalina. Como esquecer aquela data? Estavam lá todos: o pai, os tios, os primos, os amigos, e até mesmo o seu avô, a quem o reumatismo parecia ter passado enquanto acolhia no colo uma das meninas de Madame Rosalina.
Ou como esquecer o momento em que Albano, mais novo mas mais sabido, corria nu pelo bordel atrás das meninas, que soltavam gritinhos assustados mas alegres, intercalados com os ruidosos arrotos, já nessa altura uma imagem de marca, do seu perseguidor.

Albano na altura tinha 16 anos mas era já um habitué daquela casa, que frequentava desde os 10. O jovem era considerado um prodígio de toda a região. Tudo começara quando, com apenas 4 anos, fora apanhado a tentar sodomizar Gabi, a gata da família. Mesmo com a cara repleta de cortes, das afiadas garras do animal, o pequenito Albano tinha desistido. Fora preciso o seu pai segurá-lo.
Conta-se, em jeito de lenda, como quando apenas um ano mais tarde, foram dar com Albano no galinheiro da casa a “brincar” com as galinhas. Albano chegou mesmo a matar uma raposa incauta, que se tinha aproximado ao ver a portinhola aberta, à paulada. Queria as galinhas só para ele. Inácio, o galo, despeitado com a audácia e virilidade do petiz, abandonou o galinheiro e nunca mais foi visto. Ah, e as galinhas deixaram de pôr ovos.

Mais tarde, já com oito anitos, Albano queria experimentar com mulheres, estava farto da bicharada. Ainda pensou na sua prima Ivone, mas depressa desistiu. Ela, com cerca de 10 anos, já tinha mais pêlos que o burro Crespim.
Pediu então a seu pai para o levar a casa de Madame Rosalina. O pai recusou-me. Era uma tradição familiar, sim senhor, mas ainda faltavam 10 anos. Albano não esmoreceu. Nessa mesma noite fugiu para Espanha, por onde andou a monte mais de um mês, percorrendo todos os bares de alterne da zona. O seu pai só conseguiu encontrá-lo porque seguiu o peculiar rasto que o filho deixava. Por onde quer que Albano passasse, a casa fechava. As moças ficavam em tal estado, que não conseguiam receber mais clientes durante vários dias. Ainda hoje, quem vai a Espanha e fala em Albano, ouve sempre a mesma resposta: “Uiii, Madre de Diós, desde los ocho!”

Ramiro limpou a lágrima e regressou à dura realidade. Tinha que ser feita alguma coisa. Travestis, não!
Falou com os dois irmãos e expressou-lhes o seu repúdio pela situação. Albano não se mostrou minimamente perturbado e, ao mesmo tempo que apalpava as nalgas à empregada do café, soltou: - Melhor, mais fica! Eheh!
Tibério, mais novo e mais reservado, encolheu o queixo e não disse nada. Dali não viria auxílio.

Ramiro lembrou-se então de uma coisa, ia telefonar pessoalmente a todos os travestis que estavam naquelas folhas repulsivas e dizer-lhe o que pensava deles. Pegou no telemóvel e marcou o primeiro número que lhe apareceu à frente. Vais ouvir poucas e boas!
Por coincidência, outro telemóvel começara a tocar ali perto. Era o de Tibério.
Com um esgar de horror, Ramiro viu-o atender e dizer Estou sim?

Foi precisamente a frase e o tom de voz que o saudaram do outro lado da linha...